A chegada
Leram em voz alta o meu nome, em latim, recebi a merecida compostela
com uma forte emoção de objectivo concretizado, agradeci comovido e observei um
sincero sorriso e as palavras de parabéns da voluntária que me atendeu. Não é
possível sentirmo-nos indiferentes quando atingimos uma meta como esta, pelo
corpo e pela alma percorre-nos uma sensação de calma e bem-estar que nos deixa
leves, o cansaço e as dores praticamente desapareceram e elevamos-nos em
felicidade. Cruzamos peregrinos e nos seus olhares vemos as mesmas sensações e
mesmo com o burburinho existente em Santiago sentimos que o silêncio impera e o
tempo passa muito devagar, como se de um filme em câmara lenta se tratasse, em
que observamos todo o cenário de um ponto exterior ao nosso corpo. Chegamos ao
nosso destino, cumprimos o objectivo.
Preparativos
Há alguns anos que o sonho de ir a Santiago de Compostela,
como peregrino, crescia. Sair de casa e colocar a minha vida no espaço
disponível numa mochila, decidir o que é realmente importante com a consciência
que cada artigo que leve serei obrigado a carregá-lo e o custo do seu peso será
pago pelo meu cansaço, pelo peso nos ombros, pelo esforço das minhas pernas, pelas
bolhas nos meus pés. Sem relógio no pulso, percorrer este longo percurso tendo
uma longa conversa comigo mesmo. Tinha a necessidade de encontrar respostas que
apenas eu poderia responder e seguir na epopeia para encontrar o cliché do
“sentido da vida”. Estimando um percurso a ultrapassar os 250km e descartando a
possibilidade de viajar de moto por questões económicas a Andreia alinhou, num
estilo de férias bastante alternativo, ainda que um pouco relutante de início.
Logística
Existem diversas lojas da especialidade de montanha e
caminhada, mas a mais generalista com preços aceitáveis deverá ser a Decathlon.
Encontramos uma funcionária de uma simpatia e conhecimentos fenomenais, que nos
aconselhou quais os produtos a levar e qual a gama mais adequada para o que
pretendiamos, “perdeu” algum tempo a dar algumas dicas que mais tarde
considerei preciosas, as quais partilho convosco:
Material a levar
- Mochila de 30 a 40 litros (no máximo 50)
- Saco-cama para temperaturas adequadas à altura do ano
- Toalha de banho (preferencialmente microfibra)
- Poncho ou impermeável
- Botas
- Chinelos de banho
- Calças (material que permita secar rapidamente)
- Polar
- Calções de banho
- T-shirts (2 a 3)
- Cuecas (2 a 3)
- Meias (2 a 3)
- Pijama
- Documentos pessoais
- Tampões ouvidos
- Lanterna e canivete
- Molas e sabão para a roupa
- Kit higiene
- Kit SOS
- Não utilizar calçado novo, regra habitual, mas que regularmente se esquece.
- Preferencialmente utilizar botas, protegem os tornozelos e a probabilidade de entorse diminui.
- Para escolher o calçado, devem encostar o pé totalmente à frente (encostar, não apertar), devendo ter espaço suficiente para colocar o dedo indicador entre o calcanhar e a parte de trás da bota. Com a bota correctamente apertada permitirá descer sem magoar os dedos ou unhas dos pés.
Mochila
- Para longas caminhadas, devemos dar preferência a mochilas mais pequenas e leves. As cintas de cintura e dorso são essenciais para o conforto exigido. O ideal é experimentar a mochila com carga (cerca de 8 kg) e ajustá-la de forma a encontrar o modelo mais confortável e adequado.
- A carga deverá estar bem distribuída, tentar manter o centro de gravidade no centro da mochila, caso tenha mais peso num lado que o outro distribuir melhor a carga.
- O ajuste correcto deve ser feito com a mochila em carga, e a mesma deverá ficar ajustada e suportada apenas com a cinta de cintura, após estar suportada, devem ser ajustadas as alças de forma a sentirmos o ajuste nos ombros, não o peso da mochila.
Albergues
- É utilizada a regra de que o primeiro a chegar ocupa o lugar.
- A ordem de ocupação indicada é: Peregrino a pé -> Peregrino a cavalo - > Peregrino de bicicleta, mas caso já estejam no albergue não serão expulsos.
- A ocupação dos albergues no período de férias de Verão atinge frequentemente os 100%.
- Em Portugal caso os albergues tenham todas as camas ocupadas, são disponibilizados colchões e distribuídos por áreas comuns (salas ou mesmo corredores), como me informaram “ninguém fica a dormir na rua”.
- Em Espanha os albergues não excedem o número de camas disponíveis. Caso a ocupação seja total é comum encontrar-se disponibilidade em pensões ou quartos de particulares, em alternativa podem ir até ao próximo albergue mas que poderá significar mais de uma dezena de quilómetros.
- Os albergues são habitualmente mistos.
- Embora seja entregue (habitualmente) uma fronha e um lençol descartável, é obrigatória a utilização de saco-cama.
- Recomenda-se uma almofada insuflável para quem não quer utilizar as dos albergues ou gosta de dormir com os pés mais levantados.
- Habitualmente existem estendais ou cordas disponíveis para secar a roupa, convém levar sabão para a lavar e molas para a pendurar.
- É boa prática (por vezes obrigatório) deixar o calçado fora do quarto.
- Existe quem durma em perfeito silêncio e existem os outros... Caso tenham um sono leve utilizem os tampões para os ouvidos.
- O preço por pessoa ronda os 5€ em Portugal e 6€ em Espanha (2014).
Dia 1 – Grijó a Rechousa
– 10 km
Com a companhia das “mamãs” fizemos uma pequena etapa de
aquecimento, como somos de Canelas – Vila Nova de Gaia pareceu-nos fazer mais
sentido começar no Mosteiro de Grijó, aproveitando para fazer uma etapa
relativamente curta, com descontração e ainda sem mochilas. Chegando ao
Mosteiro, e com as credenciais na mão, sentimos-nos desorientados ao ver as
portas do Mosteiro encerradas e questionando-nos onde podemos ter o nosso
primeiro carimbo, o de partida! Não sabíamos os procedimentos e como deveríamos
agir. Mesmo ao lado está a junta de Freguesia de Grijó e aproveitamos para
tirar as nossas dúvidas se teria algum carimbo escondido no exterior ou se teríamos
de aguardar a abertura do mesmo, “- É mesmo aqui que carimbam a credencial”
respondeu a funcionária que rapidamente as carimbou e de imediato passou pela
cabeça a sensação de “começa aqui...”.
Percurso curto até à Rechousa e sendo nas nossas redondezas,
bastante conhecido, mesmo assim quando vamos a pé, a perspectiva de como vemos
as coisas muda bastante comparativamente com os passeios de bicicleta ou de
moto. Embora pertença à região do Grande Porto, caminhamos por zonas agrícolas
em que milheirais e campos de kiwi ocupam enormes terrenos, obviamente que a
sensação de tamanho muda substancialmente quando caminhamos. Cruzamos diversos
tanques comuns e observamos outros pormenores aos quais nunca demos atenção. Em
Perosinho o caminho está identificado com sinalização específica para o efeito
e na junta de Freguesia ofereceram-nos uma lembrança alegando as festividades
do Caminho de Santigo em 2013
Chegamos à Serra de Canelas (embora o seu nome
seja Serra de Negrelos) e iniciamos a dura “subida da resistência”, assim
denominada devido à sua altimetria e pelas subidas de cerca de três metros sempre
alternadas por superfícies planas durante quase um quilómetro. Cruzamos-nos com
um peregrino e após ver a vieira na sua mochila avisei-o que estava na direcção
errada ao que ele apenas me respondeu “Fátima, Fátima”, desejamos-lhe um bom
caminho e sorrimos ao ver a sua mochila carregada e a caneca de alumínio a
baloiçar, afinal, no dia seguinte começava a nossa jornada “a sério”. Até à
estrada Nacional 1 vamos praticamente sempre pela Serra, e terminamos a etapa num
monumento que aparenta ser alusivo ao caminho de Santiago, mas engana, trata-se
de uma porta que foi preservada da antiga escola primária de Megide.
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