Dia 2 – Canelas
(Rechousa) a Vilar – 30 km
Acordamos com um dia chuvoso e intenso nevoeiro, prometiam
não facilitar o nosso caminho. Ajustamos uma vez mais as mochilas e de repente decidimos
em não levar a colchonete, não só pelo peso, mas principalmente pelas suas
dimensões (descobrimos posteriormente que foi aposta acertada). Recorremos ao
guarda-chuva e ao casaco quase
impermeável para nos protegermos da chuva, de seguida iniciamos o caminho com
muitas incertezas mas muito entusiasmo, tudo isto era novo para nós e embora eu
já tivesse experiência de algumas caminhadas no tempo de escutista, esta viagem
seria totalmente diferente. O dia anterior, mesmo com uma etapa tão curta e sem
a mochila já me tinha presenteado com uma bolha, conhecendo os meus pés já
estava a contar com isso, mas não tão depressa...
Até chegar à ponte D. Luís não há nada de novo para ver, mas
do cimo do rio a paisagem para ambas as ribeiras (Gaia e Porto) é fenomenal, mesmo
no alto do tabuleiro superior sentimos-nos pequeninos com o contraste da Serra
do Pilar. Não faltam indicações, basta procurar as setas amarelas e são realmente
muitas, algumas pintadas com recurso a uma trincha outras com aspecto
profissional, mas não que há enganar, se não encontrarem nenhuma indicação
durante umas centenas de metros seguidas provavelmente perderam a saída. Após à Sé do Porto existem duas opções (eu prefiro ir pela esquerda e espreitar a
paisagem), mais à frente após a Igreja da Misericórdia podemos seguir em frente
e ir por Braga, ou virar à esquerda em direcção a Barcelos (o caminho de Braga
ficou para uma próxima). Continuando o caminho oficial chegamos à Rua de
Recarei, esta é enorme! Pelos guias
que tinha lido existia uma alternativa que iria atravessa a N14, tínhamos planeado seguir este caminho, mas não nos deparamos com a saída e continuamos
“sempre em frente”. Ponderamos pernoitar em Vilar de Pinheiro, mas continuamos
mais um pouco (não nos sentíamos cansados e ainda era cedo) como tal paramos em
Vilar, procuramos alojamento de peregrinos, mas sem sucesso. Como estávamos
próximos de casa, pedimos à mãe da Andreia que fez o favor de nos vir buscar
para irmos dormir a casa.
Dia 3 – Vilar a
Barcelos – 39 km
A “sogrinha” madrugou e fez novamente o favor de nos levar
de volta até ao ponto de paragem do dia anterior, o céu já não ameaçava mau
tempo e a previsão meteorológica não sugeria chuva para os dias seguintes,
mesmo assim levamos uns ponchos impermeáveis por precaução, que só no final da
viagem iriam confirmar se foram boa ou má opção. Com nevoeiro cerrado, por
estradas em paralelo envoltas por enormes milheirais, raras vezes nos cruzávamos com viaturas ou peões. O burburinho e agitação das cidades ficava
cada vez mais longe e embora estivéssemos perto do Porto tínhamos a sensação de
que já estávamos longe de casa e qualquer civilização, as pernas moviam-se
mecanicamente, a sensação de peregrinação invadia a mente e sem qualquer plano
para o momento seguinte limitávamos-nos a caminhar. A estimativa que tinha feito
no dia anterior previa entre 28 a 30 km para este trajecto, mas ao chegar a São
Pedro de Rates com mais de 20km feitos torci o nariz com desconfiança…
Fomos a
um bar para almoçar qualquer coisa leve e com satisfação vimos o orgulho do
dono do bar ao receber peregrinos, fez questão que assinássemos o livro de
presenças (já tinha uma meia dúzia de livros totalmente preenchidos) e tirou
uma foto connosco. Conversamos durante algum tempo e confirmou-me que até ao
albergue em Barcelos esperavam-nos mais de 16km, o que nos deixou algo
desanimados, as bolhas já me incomodavam muito, as costas da Andreia
queixavam-se do peso da mochila e o calor era muito. Não tínhamos alternativa,
arrancamos no mesmo registo mecânico e automático mas a paisagem mudou
negativamente, zonas habitacionais, estradas movimentadas e o cansaço não
permitia usufruir do caminho com qualidade. Pouco antes de chegarmos a
Barcelinhos estivemos a reajustar a mochila da Andreia, o peso estava
praticamente totalmente assente nos ombros e não na cinta o que obrigou a
paragens e cansaço desnecessário, fizemos os ajustes necessários e as
diferenças foram substanciais! Uma mochila ajustada correctamente sente-se uma
diminuição de carga considerável.
Continuamos a caminhar e ao fim da tarde
chegamos ao centro de Barcelos, sentamos-nos numa esplanada para um merecido
gelado. Estávamos cansados, desgastados, sujos, plantas dos pés a arder mas com
um elevado grau de satisfação pelo objectivo do dia estar concluído. Iniciamos
o processo de fim do dia que viríamos a repetir constantemente: lavar roupa,
tomar banho, hidratar os pés, desinfectar e furar as bolhas dos pés. Jantamos
num restaurante bastante económico (3€ por pessoa) e fomos descansar para o
albergue onde conhecemos um peregrino de Barcelona que tinha iniciado o caminho
no Porto e várias vezes se cruzou connosco até à chegada a Santiago de
Compostela, precisamente no mesmo dia. Durante essa conversa acompanhada com
fumeiro fatiado, entre diversos assuntos confidenciou-nos das rivalidades
existentes em Espanha entre as diversas províncias, encontrava-se um ciclista
das Astúrias que tinha iniciado o caminho em Lisboa, rimo-nos em conjunto e
qualquer rivalidade desapareceu! Foi tema de conversa o “Peter”, este peregrino
tinha começado a sua viagem à mais de um ano na Polónia, caminhou até Roma,
decidiu continuar até Paris, sem desistir desceu até Saint Jean Pied de Port,
percorreu o caminho Francês até Santiago de Compostela e quando chegou, algo o
impediu de parar, pelo que seguiu em direcção a Fátima, cruzamo-nos com ele no
primeiro dia da nossa jornada e descobrimos agora que tem um limite de 6€
diários… Percorreu milhares de kms com este limite, sem desistir, dormindo em
mosteiros, albergues gratuitos, igrejas ou mesmo cemitérios ao relento. Ficamos
com um brilhozinho nos olhos após esta conversa, sentimos-nos privilegiados e
adormecemos tranquilos e em paz.
Dia 4 – Barcelos a
Ponte de Lima – 36 km
Pouca luz raiava e o Eduardo e a Diana estavam à porta do
Albergue para iniciarem o caminho deles e seguirmos em grupo a partir deste
ponto. O entusiasmo deles era muito, cantavam e saltavam de euforia, algo que
prometi que ia desaparecer em breve (os saltos de alegria) e comprovei ter
razão no próprio dia. Considero que este troço é dos mais bonitos do caminho,
ofereceram-nos fisálias e maçãs pelo caminho demonstrando o melhor da simpatia
minhota. Faltavam cerca de seis quilómetros e as minhas dores nos pés eram
insuportáveis, paramos em frente a um albergue particular, mas o dono
aparentemente alemão, atendeu-nos com má educação e antipatia o que nos deu
mais vontade ainda de chegar à pousada de Ponte de Lima que era nosso objectivo
inicial.
Continuamos, pendurava o corpo nos bastões transferindo o peso
possível para os meus braços, cada passo era um verdadeiro martírio para os
meus pés, com bastante sacrifício continuamos a evitar paragens, embora a
paisagem fosse maravilhosa não queria parar um segundo que fosse. Ao passar um parque
infantil ouvi uns transeuntes a comentar “Estes vão para Santiago de
Compostela, já lá fui uma vez e foi uma estafa, custou-me muito!”, questionava
a amiga “Foste a pé?”, resposta “Cruzes, credo! Não! Fui de autocarro!”, ri por
dentro, respirei fundo e ganhei alguma vontade. Vimos a placa que anunciava 1
quilómetro de Ponte de Lima, este último quilómetro pareceu uma eternidade,
assim que vimos a pousada suspiramos de alívio, a nossa jornada estava
terminada por hoje! Não me mexi mais, telefonamos para a Telepizza e após um
longo duche deixei arejar os pés, como sabe bem relaxar depois da dureza de um
dia como este.
Dia 5 – Ponte de Lima
a Rubiães – 24 km
Acordamos cedo, aproveitamos o pequeno-almoço reforçado da
pousada e despedimo-nos educadamente do recepcionista maldisposto que amuou por
termos interrompido o seu jogo de solitário. O descanso é revigorante, as dores
nos pés não desaparecem, mas tornam-se aceitáveis depois de 5 minutos de
aquecimento, fomos directamente ao centro de Ponte de Lima procurar uma
farmácia pois precisávamos com urgência de pensos para bolhas (deixei de ser o
único), encontramos uma de serviço e mais uma vez atenderam com muita má
disposição ao que ainda responderam que se soubessem que não tínhamos receita
médica não nos tinham atendido! Ignoramos, pagamos os artigos e seguimos
caminho, afinal já não faltava muito para a serra da Labruja e precisávamos de
boa disposição. Cruzamos-nos com um Limarense (habitante de Ponte de Lima) que
nos desejou força para a Labruja, confidenciou-nos que foi ele que colocou a
placa a informar Ponte de Lima a 1km e que o fez para dar ânimo aos peregrinos,
embora esta indique a distância para a periferia de Ponte de Lima. Sorrimos,
agradecemos a simpatia e seguimos para a etapa “assustadora” que estaria quase
a começar…
Existe um pequeno café mesmo antes da subida, aproveitamos para
saborear um gelado e relaxar um pouco junto dos muitos peregrinos que paravam
aqui. Encontramos dois Portugueses que iniciavam neste dia o seu caminho, com
mochila bem carregada, guitarra e um cavaquinho não se avizinhava fácil o
percurso, desejamos-lhes força que certamente a tinham face à quantidade de
cervejas com que se abasteceram :) .
Iniciamos a subida, sem dúvida dura e bastante técnica, cruzamos-nos com um peregrino
asiático em direcção a Fátima, com um enorme sorriso, espanto nosso quando
demos conta que trazia o calçado na mão, totalmente descalço descia a calçada de
paralelos e foi impossível compreender a nossa dificuldade e dor quando vimos
aquele personagem com aquela facilidade. Um casal subia a Labruja de bicicleta,
ou melhor, subiam a serra a pé carregando as bicicletas claramente com extrema
dificuldade. Nas últimas centenas de metros a dificuldade da subida aumenta, os
bastões são fantásticos nestas situações, as pernas querem ceder e o coração
acelera mas aguenta-se! O miradouro no topo tranquiliza e o cansaço atenua, a
fonte com água bem fresca torna-se no prémio, agora percebemos o motivo do sorriso
do asiático e também nós sorrimos.
O resto do dia foi agradável, o albergue de
Rubiães é fenomenal, quase lotado na recepção disseram-nos que “aqui ninguém
tem de procurar outro local para dormir, arranjamos sempre mais um colchão e
espaço para mais um peregrino”, verificamos que esta filosofia não se aplica em
Espanha onde a lotação de um albergue é cumprida rigorosamente. Ainda fomos a
um mini mercado “já ali” fazer as compras de mercearia necessária, já estava
habituado à técnica de utilizar as sandálias com as meias grossas no final do
dia e os dois kms de ida e volta não custaram quase nada, os momentos que
caminhamos sem mochila sentimos-nos leves!
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